Poema das folhas secas de plátano

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 Poema das folhas secas de plátano

  As folhas dos plátanos desprendem-se e lançam-se na aventura do espaço,
  e os olhos de uma pobre criatura
  comovidos as seguem.
  São belas as folhas dos plátanos
  quando caem, nas tardes de Novembro
  contra o fundo de um céu  desgrenhado e sangrento.
  Ondulam como os braços da preguiça
  no indolente bocejo.
  Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,
  traçam erres e esses, cicloides e volutas,
  no espaço escrevem com o pecíolo breve,
  numa caligrafia requintada,
  o nome que se pensa,
  e seguem e regressam,
  dedilhando em compassos sonolentos
  a música outonal do entardecer.
 
  São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.
  Eram lisas e verdes no apogeu
  da sua juventude em clorofila,
  mas agora, no outono de si mesmas,
  o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,
  deixou-se trespassar por afiado ácidos.
  A verde clorofila, perdido o seu magnésio,
  vestiu-se de burel,
  de um tom que não é cor,
  nem se sabe dizer que nome tenha,
  a não ser o seu próprio,
  folha seca de plátano.
  A secura do Sol causticou-a de rugas,
  um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,
  e  esta real e pobre criatura
  vendo o solo coberto de folhas outonais
  medita no malogro das coisas que a rodeiam:
  dá-lhes o tom a ausência de magnésio;
  os olhos, a beleza.

António Gedeão (1906-1997),
in “Poemas Escolhidos”, Edições JSC, 1997.