Os Paraísos Artificiais

Ouço sem ver, e assim, entre o arvoredo,
27 Março 2016
O Pinhal do Rei
27 Março 2016
Ouço sem ver, e assim, entre o arvoredo,
27 Março 2016
O Pinhal do Rei
27 Março 2016

 

OS PARAÍSOS ARTIFICIAIS

Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins, mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

Os cânticos das aves – não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A vida da minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

 

Jorge de Sena (1919-1978),
in “Pedra Filosofal”, 1950.