A sorveira no planalto das Cesaredas
Certas fotos apresentadas nesta página foram tiradas no Planalto das Cesaredas. Neste planalto encontramos aqui e ali sorveiras (Sorbus domestica). Algumas, raras, chegam aos 5-6 metros de altura o que é muito, pois o planalto tem sido regularmente e sistematicamente queimado depois de ter sido brevemente cultivado. No entanto, as sorveiras rebentam com grande vigor de touça, após os incêndios. Não lhes posso dizer se estas sorveiras têm origem indígena ou se são assilvestradas depois do abandono das vinhas, mas o certo, é que estão num meio que lhes convém. Basta observar a quantidade de pés existentes. Infelizmente muitos têm porte arbustivo, devido ao gado que aprecia particularmente os seus rebentos e folhas.
Contrariamente aos botânicos de alguns países europeus, os de cá, pouco têm investigado sobre esta árvore. O discurso geral é que se trata de uma árvore assilvestrada, o que significa “não autóctone”. Ora, enquanto estudos sobre a sorveira não forem realizados, a questão ficará em suspenso. Este tipo de argumento parece-me não ser suficiente, e mesmo que o seja! Tal facto não justifica um tão grande abandono dos pesquisadores nacionais por esta belíssima árvore. Partes do nosso território, tem aparentemente condições edafoclimáticas que podem perfeitamente suster a existência natural desta espécie, que nunca se tornará invasiva, devido às suas exigências ecológicas. A sorveira resiste mal à concorrência de outras árvores, razão pela qual é frequentemente encontrado em estações bastante ingratas (solos pedregosos, cascalhosos, terras pobres), onde a competição é menos intensa que nas estações mais férteis. No entanto, esta árvore aprecia os solos ricos, mas exige um monitoramento regular das suas concorrentes.
Actualmente botânicos austríacos e alemães, onde a sorveira é assilvestrada, e franceses, têm programas de estudo do genoma das sorveiras dos respectivos países. O objectivo será de apurar indivíduos com maior capacidade de resistência às mudanças climáticas e obter sementes híbridas (melhoramento do potencial genético) a partir de árvores seleccionadas pelas suas características florestais. Porém, não devemos deixar de lado o papel que a sorveira preenche na alimentação da fauna. As suas flores melíferas atraem inúmeros insectos, os seus frutos alimentam pequenos mamíferos, especialmente o texugo (Meles meles), que desempenha um papel fundamental na dispersão de sementes. Quanto a nós humanos, posso-lhes dizer que uma sorva bem madura é simplesmente uma delícia.
O texugo dissemina a sorveira
Ao citar o texugo, certas recordações vêm-me à mente. Lembro-me quando ainda pequeno, devia ter quatro ou cinco anos, a imagem de um texugo morto, suspenso pelas patas a uma vara que dois homens exibiam de aldeia em aldeia no redor do planalto, pedindo uns tostões aos populares por terem matado um “predador”. Lembro-me também da pelagem e do cheiro desconhecido para mim deste animal. Lembro-me do que os adultos diziam do texugo. Que devastava os ralos milheirais. Hoje compreendo que perante a pobreza geral, a morte de um animal que, ao que diziam, comia pontualmente uma parte das searas, fosse considerado como nefasto; só que esta parte do Oeste nunca fora uma grande produtora de milho. O milho cultivado servia sobretudo de alimentação às galináceas da casa. O ser humano partilha pouco. Apesar da caça gratuita que lhes é feita, segundo o que me fora dito pelos locais, o texugo ainda hoje existe no planalto, e bem-haja! Porque é certamente ao texugo que se deve a persistência da sorveira no planalto das Cesaredas
Como a sorveira desapareceu da economia rural há várias décadas, deixando no entanto traços nas memórias. Será certamente, no caso que nos interessa, o Planalto das Cesaredas, um trabalho de recolha a efectuar por associações e outras estruturas colectivas. Quanto mais rápido melhor, antes que os indivíduos depositários desta memória desapareçam.
Os romano espalharam a sorveira
A sorveira é uma pioneira nativa do Mediterrâneo que foi dispersa durante o Império Romano por toda a Europa. Os romanos apreciavam as sorvas, que consumiam, dando-as também como alimento aos cavalos durante o Inverno. A capacidade de naturalização desta espécie fora da sua área natural fez que ao ocupar terras mais a norte e mais húmidas com solos mais ricos, chega a duplicar a circunferência dos troncos. Na floresta, atinge o tamanho das maiores árvores. A sorveira facilmente se aclimata nas diferentes regiões. Com as actuais migrações de plantas nas zonas de maior repartição devido às mudanças de temperatura e pluviosidade, não terá dificuldades em integrar novas áreas; de facto a sorveira suporta os Verões secos; pode substituir as espécies de árvores que deixarão de estar no seu nicho ecológico. No entanto, por todo o continente esta espécie está a desaparecer. A nós de fazer o possível para que tal não aconteça, pois possui qualidades competitivas no sistema agro-florestal
O.M.
o sistema agro-florestal
O sistema agro-florestal consiste na gestão de recursos naturais. Dinâmico e ecológico, integra as árvores às culturas e à paisagem rural, diversificando e sustentando a produção para melhorar as condições sociais, económicas e culturais das populações, inclui igualmente a biodiversidade. Em Portugal existe o montado, prática de cultura mista ou agro-silvopastoril no Alentejo.
Concretamente, associam-se várias culturas agrícolas: cereais, vinhas ou pastagens, com árvores na mesma parcela (plantadas ou reduzindo o desbaste em lotes arborizados). A produção florestal é diferida a longo prazo, pois o ciclo de vida desta é diferente do das culturas geralmente anual.
No caso de parcelas com culturas agrícolas associadas a árvores florestais corresponde a actividade agro-florestal; em parcelas arborizadas com vegetação rasteira trata-se do sistema silvopastoril.
Exemplo de prática agro-florestal
Vantagens da sorveira no sistema agro-florestal
Diversificação das actividades dos agricultores, com criação de uma herança valiosa, sem interromper a renda das parcelas plantadas. Papel protector das culturas intercalares, inclusive para a fauna: efeito de barreira corta-vento ou quebra-ventos; protege do sol, do granizo, fixação da terra, estimulação da microfauna e microflora dos solos. Recuperação pelas raízes profundas de uma parte dos nutrientes lixiviados ou drenados; enriquecimento de matéria orgânica do substrato, da manta morta e por fim das raízes que facilitam a infiltração das águas em profundidade.
Ora a sorveira responde a estes critérios: soalheira, possui uma copa pouco densa, abriga mas deixa passar luz em suficiência, possui enraizamento profundo, as suas folhas degradam-se facilmente, a sua madeira é das mais valiosas do mercado. No que diz respeito à biodiversidade, tem flores muito melíferas e frutos saborosos ricos em vitaminas. Evidentemente que não é a única espécie a favorecer, mas é certamente uma candidata de valor a ter em conta nas futuras práticas agrícolas. Se o atavismo for ultrapassado!
No Oeste, em que os Verões são cada vez mais escaldantes, com um ciclo pluvioso incerto, manter uma viticultura ou fruticultura de qualidade e tradicional, requer imaginação. As sorveiras, ou outras espécies semelhantes, plantadas entre as cepas protegeriam os vinhedos do sol abrasador com a sua folhagem pouco espessa. Porque o futuro é agora que se prepara.
O.M.
Mapa de distribuição da sorveira no continente europeu
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Anedótico
Ao que parece, as sorvas eram apreciados pelos gregos na Antiguidade. Platão refere-se à sorva em “O Banquete”, no discurso de Aristófanes, e evoca um processo de conservação deste fruto, sem entrar em pormenores.