A faia-da-terra uma árvore viajante
A pequena árvore a que chamamos samouco no continente, faia-da-terra, faia ou faia-das-ilhas nos Açores e na Madeira, possui uma história bastante acidentada que merece algumas explicações. Há cerca de 65 milhões de anos (fim do Cretáceo, princípios do Terciário), fazia parte da floresta tropical que cobria o território que é hoje Portugal e parte da Europa. Entretanto, a dinâmica da Tectónica de Placas e as suas consequências como a Deriva dos Continentes, alteraram o clima que se tornou pouco a pouco mais seco e frio.
Com o início do Quaternário, há 2,6 milhões de anos, começaram os períodos glaciares no hemisfério norte, com alternância de períodos temperados. O último período glacial que durou mais de 100.000 anos, denominado Würm, apelação específica aos Alpes, foi bastante intenso e terminou há cerca de 12.000 anos. Esta e as outras “eras do gelo” anteriores, eliminaram sucessivamente uma grande parte da flora europeia, que era muito mais rica em biodiversidade que a actual.
No entanto, muito antes do Quaternário, surgem do Atlântico os quatro arquipélagos da Macaronésia. As primeiras ilhas das Canárias emergem há cerca de 22 milhões de anos, seguidas pela Madeira e Cabo Verde dois milhões de anos depois e por fim, há cerca de 8 milhões de anos surgem os Açores. Todas as ilhas são de origem vulcânica e existiam muito antes das “eras do gelo” do Quaternário. Parte da flora europeia e norte-africana, teve tempo suficiente para colonizar as novas terras insulares, onde as condições climáticas eram próximas daquelas existentes na Europa durante o Terciário.
As alterações climáticas do Quaternário levaram à regressão da laurissilva e à sua quase extinção na Europa continental (onde vivem algumas espécies relíquias desta vegetação como o loureiro). Contudo, a posição das ilhas situadas longe dos mantos de gelo continentais e a acção térmica do Oceano Atlântico que abrandou as flutuações climáticas, fez com que se mantivesse nestes arquipélagos um clima ameno e húmido. Deste modo, a vegetação insular continuou a viver sob clima subtropical e devido à necessidade de adaptação e ao isolamento do continente, a flora terciária europeia evoluiu de forma independente na Macaronésia, o que conduziu a inúmeros endemismos.
O samouco, continuou a subsistir nas ilhas atlânticas (e possivelmente também na faixa costeira ocidental portuguesa), cujo clima como já vimos, proporciona condições climáticas favoráveis à sua existência e à da floresta da laurissilva da Macaronésia, da qual faz parte.
Corre o risco de desaparecer dos Açores
A abundância da faia nas ilhas dos Açores, levou os portugueses a dar o seu nome a uma das ilhas “Faial”. Actualmente a faia-da-terra é menos frequente e tende a desaparecer da paisagem açoriana. Outrora largamente utilizada na constituição de sebes protectoras dos pomares de citrinos e vinhas dos ventos marítimos no litoral, subindo até aos 500 metros de altitude, tem sido substituída por espécies de crescimento mais rápido como o incenso (Pittosporum undulatum). Esta pequena árvore originária da Austrália, (escapou ao controlo humano), tornando-se numa poderosa invasora com características capazes de competir e até de eliminar a faia do espaço natural aparentemente comum às duas espécies. O botânico Eduardo Dias explica claramente este fenómeno, que citamos: “A história da utilização desta espécie nos Açores é bastante antiga e bastante diversificada também. (…) Uns séculos mais tarde, nas ricas quintas da laranjeira dos Açores, repletas de história, a faia era usada como abrigo, protegendo as laranjeiras dos ventos. Ao longo dos tempos as pessoas foram optando por outras espécies, as chamadas de crescimento rápido, nomeadamente o incenso, para a construção das suas sebes, tendo contribuído para a sua dispersão. Uma recente e crescente consciência ambiental, um gosto e orgulho pelo que é da terra, associados a uma aposta das entidades oficias pela reprodução e venda de Myrica faya tem vindo a mudar as tendências. Cada vez mais as pessoas procuram esta espécie contribuindo não só para a sua salvaguarda bem como para a recuperação de formas tradicionais do uso da terra.Uma grande variedade de aves, incluindo a subespécie de pombo‑trocaz, endémica dos Açores, usam de uma forma não só sustentada mas também vantajosa, os recursos que a Myrica faya fornece, alimentando‑se das suas bagas e contribuindo assim para a dispersão natural da espécie na região.
Nos Açores, um dos locais em que a Myrica faya é natural, devido a uma série de factores, em que a acção do homem sobressai do ponto de vista negativo, as populações naturais de faia são cada vez mais raras e fragmentadas. A sua perpetuação no tempo implica uma necessidade de protecção e mesmo de intervenção directa.(…) A todo o momento sofremos as consequências da forma insustentável com que transformamos o meio ao longo dos séculos, às quais a mãe natureza tenta constantemente ajustar-se.
Por vezes o resultado é “apenas” a perca de biodiversidade mas a tentativa de harmonização pode surgir de uma forma agressiva como se de um aviso se tratasse.”
In Açores e Madeira: A floresta das ilhas, Vol. VI, Eduardo Dias, Carina Araújo, José Fernando Mendes, Rui Elias, Cândida Mendes e Cecília Melo – páginas 206 a 209.
A Faia-das-ilhas tornou-se uma invasora na região do Pacífico
No entanto, a faia possui argumentos competitivos dos mais poderosos. Sendo um deles a sua capacidade de instalação em solos pobres e expostos como mantos de lava recente e desfiladeiros secos, onde a carência de nutrientes, nomeadamente azoto, limita o crescimento vegetativo. Esta qualidade de adaptação a solos pobres deve-se à capacidade de fixação de azoto atmosférico que a planta consegue em associação com uma actinobactéria do género Frankia que se fixa nas raízes formando pequenos nódulos. Assim a planta modifica rapidamente a fertilidade dos solos, conseguindo colonizar meios inóspitos.
Ora, o azoto captado, cerca de 4 vezes superior ao normal, fica disponível não só para a faia mas para todas as espécies que eventualmente ocorram no local. Para impedir que tal aconteça, a faia desenvolveu uma outra estratégia “dominadora” do espaço que ocupa em número, impedindo a germinação de sementes e o crescimento de outras espécies uma vez que contém componentes químicos inibidores que se acumulam, a partir de restos de folhas e ramos, na superfície do substrato.
Esta característica e a ajuda humana, fez da faia-da-terra uma praga que ameaça a flora nativa das ilhas Havai, da Austrália, Nova Zelândia e Ilhas do Pacífico, onde foi introduzida por emigrantes açorianos e madeirenses nos finais do século XIX, com fins ornamentais e medicinais.
OM