Myrica faya – Samouco, Faia-da-terra

amentilhos (flores masculinas) de carvalhiça, carvalho-anão - Quercus lusitanica
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Samouco - Faia-da-Terra - Faia-das-Ilhas

 

Família: MYRICACEAE

Nome científico: Myrica faya Aiton

Publicação: 1789

Grupo: folhosa perene

Nomes vernáculos: samouco, faia-da-terra, faia-das-ilhas, faia

 

Hábito: pequena árvore de folha persistente, com crescimento rápido; alcança 8 a 10 m, que nos Açores chega a atingir 20 m de altura ou mais, frequentemente tem porte arbustivo; possui copa densa e ovóide, sendo o verde-escuro a cor dominante do conjunto; tronco curto, geralmente muito ramificado desde a base, algo irregular e grosso, ritidoma acinzentado e rugoso; ramos castanhos e nodosos.

 

Folhas: simples, alternas, curtamente pecioladas com base cuneiforme, lanceoladas de 5-11 cm de comprimento, que termina em um ápice obtuso ou arredondado, até 4 cm de largura; com margem ligeiramente ondulada nas mais velhas e serrado-crenuladas nas novas, aromáticas, subcoriáceas a coriáceas; glabras e brilhantes, verde escuro na página superior com nervura central saliente, verde pálido e finamente ponteado-glandulosas na página inferior.

Flores: espécie normalmente dióica, sendo comum encontrar plantas masculinas e femininas com flores do sexo oposto, tem abundante floração constituída por pequenas flores nuas, agrupadas em amentos axilares; amentilhos masculinos com 2 a 5 cm de comprimento, espiciformes, com ramificações secundárias curtas e compactas, apresentam flores amarelo-esverdeadas com 0-2 bractéolas e 2-8 estames de filamentos curtos, livres ou ligeiramente concrescentes na base e anteras erectas; as femininas, também agregadas em amentilhos de 1 a 2,5 cm de comprimento, ovóides, são glomérulos densos compostos por 3 a 4 flores ligeiramente rosadas com 2-4 bractéolas, ovário terminado por um estilete curto, suportando 2 estigmas mais ou menos filiformes.

A floração ocorre entre Março e Abril nas ilhas atlânticas e Abril-Maio no continente.

Frutos: drupas dispostas em torno do ráquis de 5 a 8 mm de diâmetro que resultam da união de 3 a 4 flores femininas, subglobosas, carnudas de aspecto granuloso e ceroso que à medida que amadurecem, passam por uma primeira coloração verde, depois vermelha e finalmente anegrada quando maduras; contêm 1 a 4 sementes; frutos comestíveis.

a frutificação toma início no fim de Agosto e termina no início de Outubro, nos Açores

Frutifica a partir de…

Gomos: pequenos e escamosos.

Ritidoma: ritidoma acinzentado e liso primeiro, torna-se depois rugoso.

 

Habitat: árvore de plena luz ou de meia sombra que requer clima suave e humidade atmosférica sem geadas prolongadas, intolerante ao frio intenso, não vai além dos 700 m de altitude, atingindo 1500 m ou mais nas Canárias. Existe em todas as ilhas atlânticas, onde se encontra frequentemente na vegetação costeira, matagais termófilos e em bosques de laurissilva de média altitude, em dunas, ou no sobcoberto de pinhais da faixa hiper-atlântica do continente. Pouco exigente quanto ao tipo de solo, desenvolve-se em terrenos vulcânicos nas ilhas, arenosos ou derivados, contendo matéria orgânica, no continente.

Longevidade superior a 100 anos.

Propagação: por semente e rebenta bem pela touça.

 

Distribuição geográfica: endemismo dos arquipélagos dos Açores, Canárias e Madeira. Existe também na faixa costeira continental da Beira Litoral ao Algarve, (vários autores consideram que o número crescente de evidências indicam que o samouco é uma espécie indígena no continente e não naturalizada).

Em Portugal: presente nos arquipélagos dos Açores, Madeira e na costa hiper-atlântica ocidental do continente.


 

Usos: Os seus frutos que se parecem com amoras, em mais pequeno, são comestíveis. Outrora os primeiros habitantes das Canárias, os guanches, utilizavam os frutos secos para fabricar farinha. Hoje em dia ainda se utiliza a dita farinha, o gofio. Já nos Açores, aproveita-se esta fruta frequentemente adstringente para fazer compotas.

A faia-das-ilhas ou samouco tem uma madeira medianamente pesada a pesada com uma densidade de 0,798, nervosa, dura a muito dura apresenta uma cor amarela rosada, escurecendo sensivelmente ao envelhecer para o acastanhado, possui um grão fino e uma textura homogénea. Tem utilização ora como lenha e carvão vegetal, ora em carpintaria, tornearia ou marcenaria e na fabricação de pequenos utensílios domésticos, cabos, postes, estacas, e alfaias agrícolas.

 

 

O samouco, uma árvore que desconhecemos!

Possivelmente que nunca ouviu falar do samouco, se é um continental. O samouco é uma pequena árvore que ocorre espontaneamente nos pinhais arenosos da faixa ocidental portuguesa e que as tempestades destes últimos anos como a de Janeiro de 2013, ao derrubarem pinheiros, eucaliptos e até acácias, revelou. A queda destas grandes árvores, à sombra das quais cresciam os samoucos em muitas zonas do extenso povoamento florestal do litoral, permitiu constatar a presença de inúmeras árvores e arbustos em perfeito estado vegetativo, safas do coberto vegetal que as dominava.

De entre as numerosas qualidades do samouco, realçam as suas propriedades ornamentais: possui um belo porte, uma folhagem perene, verde escura mas luminosa, tem crescimento relativamente rápido, desenvolve-se muito bem em terrenos arenosos pobres, e por fim, oferece-nos no Verão frutos negros comestíveis. A outra qualidade do samouco é a de poder ser uma árvore florestal. Desejamos que um ou outro agrónomo que trabalhe numa Mata Nacional se dedique ao estudo e interesse que representa esta espécie em regime de alto fuste com o fim de aproveitar as características mecânicas da sua madeira; e isto, em substituto do eucalipto e também do pinheiro-bravo que mostram os seus limites, quando em povoamentos puros perante o fogo.

Se é amador de banhos, sol e praia, certamente que já viu o samouco, ao penetrar num pinhal da costa, mas como ignorava a sua existência não o distinguiu de outras plantas com as quais o pode confundir como o louro ou o com o mióporo (Myoporum laetum), planta invasiva, originária da Nova Zelândia, cujo porte é semelhante e que com ela compete. Se vive ou visita os Açores será difícil distingui-la do incenso (Pittosporum undulatum), espécie exótica infestante, originária da Austrália, que substitui a população original da faia-da-terra pouco a pouco no Arquipélago.

A faia-da-terra uma árvore viajante

A pequena árvore a que chamamos samouco no continente, faia-da-terra, faia ou faia-das-ilhas nos Açores e na Madeira, possui uma história bastante acidentada que merece algumas explicações. Há cerca de 65 milhões de anos (fim do Cretáceo, princípios do Terciário), fazia parte da floresta tropical que cobria o território que é hoje Portugal e parte da Europa. Entretanto, a dinâmica da Tectónica de Placas e as suas consequências como a Deriva dos Continentes, alteraram o clima que se tornou pouco a pouco mais seco e frio.

Com o início do Quaternário, há 2,6 milhões de anos, começaram os períodos glaciares no hemisfério norte, com alternância de períodos temperados. O último período glacial que durou mais de 100.000 anos, denominado Würm, apelação específica aos Alpes, foi bastante intenso e terminou há cerca de 12.000 anos. Esta e as outras “eras do gelo” anteriores, eliminaram sucessivamente uma grande parte da flora europeia, que era muito mais rica em biodiversidade que a actual.

No entanto, muito antes do Quaternário, surgem do Atlântico os quatro arquipélagos da Macaronésia. As primeiras ilhas das Canárias emergem há cerca de 22 milhões de anos, seguidas pela Madeira e Cabo Verde dois milhões de anos depois e por fim, há cerca de 8  milhões de anos surgem os Açores. Todas as ilhas são de origem vulcânica e existiam muito antes das “eras do gelo” do Quaternário. Parte da flora europeia e norte-africana, teve tempo suficiente para colonizar as novas terras insulares, onde as condições climáticas eram próximas daquelas existentes na Europa durante o Terciário.

As alterações climáticas do Quaternário levaram à regressão da laurissilva e à sua quase extinção na Europa continental (onde vivem algumas espécies relíquias desta vegetação como o loureiro). Contudo, a posição das ilhas situadas longe dos mantos de gelo continentais e a acção térmica do Oceano Atlântico que abrandou as flutuações climáticas, fez com que se mantivesse nestes arquipélagos um clima ameno e húmido. Deste modo, a vegetação insular continuou a viver sob clima subtropical e devido à necessidade de adaptação e ao isolamento do continente, a flora terciária europeia evoluiu de forma independente na Macaronésia, o que conduziu a inúmeros endemismos.

O samouco, continuou a subsistir nas ilhas atlânticas (e possivelmente também na faixa costeira ocidental portuguesa), cujo clima como já vimos, proporciona condições climáticas favoráveis à sua existência e à da floresta da laurissilva da Macaronésia, da qual faz parte.

Corre o risco de desaparecer dos Açores

A abundância da faia nas ilhas dos Açores, levou os portugueses a dar o seu nome a uma das ilhas “Faial”. Actualmente a faia-da-terra é menos frequente e tende a desaparecer da paisagem açoriana. Outrora largamente utilizada na constituição de sebes protectoras dos pomares de citrinos e vinhas dos ventos marítimos no litoral, subindo até aos 500 metros de altitude, tem sido substituída por espécies de crescimento mais rápido como o incenso (Pittosporum undulatum). Esta pequena árvore originária da Austrália, (escapou ao controlo humano), tornando-se numa poderosa invasora com características capazes de competir e até de eliminar a faia do espaço natural aparentemente comum às duas espécies. O botânico Eduardo Dias explica claramente este fenómeno, que citamos: “A história da utilização desta espécie nos Açores é bastante antiga e bastante diversificada também. (…) Uns séculos mais tarde, nas ricas quintas da laranjeira dos Açores, repletas de história, a faia era usada como abrigo, protegendo as laranjeiras dos ventos. Ao longo dos tempos as pessoas foram optando por outras espécies, as chamadas de crescimento rápido, nomeadamente o incenso, para a construção das suas sebes, tendo contribuído para a sua dispersão. Uma recente e crescente consciência ambiental, um gosto e orgulho pelo que é da terra, associados a uma aposta das entidades oficias pela reprodução e venda de Myrica faya tem vindo a mudar as tendências. Cada vez mais as pessoas procuram esta espécie contribuindo não só para a sua salvaguarda bem como para a recuperação de formas tradicionais do uso da terra.Uma grande variedade de aves, incluindo a subespécie de pombo‑trocaz, endémica dos Açores, usam de uma forma não só sustentada mas também vantajosa, os recursos que a Myrica faya fornece, alimentando‑se das suas bagas e contribuindo assim para a dispersão natural da espécie na região.
Nos Açores, um dos locais em que a Myrica faya é natural, devido a uma série de factores, em que a acção do homem sobressai do ponto de vista negativo, as populações naturais de faia são cada vez mais raras e fragmentadas. A sua perpetuação no tempo implica uma
necessidade de protecção e mesmo de intervenção directa.(…) A todo o momento sofremos as consequências da forma insustentável com que transformamos o meio ao longo dos séculos, às quais a mãe natureza tenta constantemente ajustar-se.

Por vezes o resultado é “apenas” a perca de biodiversidade mas a tentativa de harmonização pode surgir de uma forma agressiva como se de um aviso se tratasse.”

In Açores e Madeira: A floresta das ilhas, Vol. VI, Eduardo Dias, Carina Araújo, José Fernando Mendes, Rui Elias, Cândida Mendes e Cecília Melo – páginas 206 a 209.

A Faia-das-ilhas tornou-se uma invasora na região do Pacífico

No entanto, a faia possui argumentos competitivos dos mais poderosos. Sendo um deles a sua capacidade de instalação em solos pobres e expostos como mantos de lava recente e desfiladeiros secos, onde a carência de nutrientes, nomeadamente azoto, limita o crescimento vegetativo. Esta qualidade de adaptação a solos pobres deve-se à capacidade de fixação de azoto atmosférico que a planta consegue em associação com uma actinobactéria do género Frankia que se fixa nas raízes formando pequenos nódulos. Assim a planta modifica rapidamente a fertilidade dos solos, conseguindo colonizar meios inóspitos.

Ora, o azoto captado, cerca de 4 vezes superior ao normal, fica disponível não só para a faia mas para todas as espécies que eventualmente ocorram no local. Para impedir que tal aconteça, a faia desenvolveu uma outra estratégia “dominadora” do espaço que ocupa em número, impedindo a germinação de sementes e o crescimento de outras espécies uma vez que contém componentes químicos inibidores que se acumulam, a partir de restos de folhas e ramos, na superfície do substrato.

Esta característica e a ajuda humana, fez da faia-da-terra uma praga que ameaça a flora nativa das ilhas Havai, da Austrália, Nova Zelândia e Ilhas do Pacífico, onde foi introduzida por emigrantes açorianos e madeirenses nos finais do século XIX, com fins ornamentais e medicinais.

OM

Nome Binomial do samouco ou faia-da-terra

Optámos pelo nome científico de Myrica faya que designa o samouco. Com efeito, os botânicos portugueses nomeiam esta espécie pelo seu nome binomial “Myrica” e não Morella faya que tem sido, e ainda é frequentemente, referida como Myrica Faya. Somente recentemente foi destacada a mudança de nomenclatura feita por Wilbur (1994) (Staples et al., 2002). Esta mudança foi facilmente ignorada, pois a nova combinação de M. faya foi feita numa nota de rodapé e resultou do reconhecimento de Wilbur do género Morella Lour como segregado de Myrica. No entanto, deve-se notar que a divisão das Myricaceae em três géneros não é definitiva e ainda pode ser revista (Griffin e Blazich, 2001).

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